O Vicente Jorge Silva escreveu o prefácio de O Independente - A Máquina de Triturar Políticos. Não podíamos ter um melhor arranque para o nosso livro. Era o Vicente que nós queríamos, e o Vicente aceitou na hora. A escolha tem uma história.
Os últimos anos dos 80s trouxeram boas notícias para a imprensa portuguesa. Um cocktail de fundos europeus, dinheiro fresco dos "masters of the universe" da bolsa e processo de privatizações em curso permitiu o lançamento de novos títulos e o rejuvenenscimento de antigos pela mão de privados.
Os investimentos fervilhavam, mas, dos muitos títulos criados, poucos deixaram lastro. Em rigor, só dois: O Independente e o Público. O primeiro, lançado em maio de 1989, feito por uma nova geração de jornalistas, irreverentes e sem medo de dizer coisas de direita; o segundo, a chegar às bancas em janeiro de 1990, com uma redação povoada de jornalistas consagrados e uma indisfarçada inclinação de esquerda.
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O Público tardou: o lançamento de janeiro derrapou para março, o que permitiu ao semanário de Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas rir-se da futura concorrência. A primeira picardia com o diário dirigido por Vicente Jorge Silva foi uma capa falsa do Público, cópia quase perfeita do modelo gráfico de Henrique Cayate à exceção do cabeçalho, onde o nome do jornal era "Bonéco" (com acento no "e") - a piada é fácil de explicar: a redação do novo diário continuava a "trabalhar para o boneco". E o acento no "e" não era defeito, era feitio, para imitar o acento de "Público".
No início dos anos 90, O Independente e o Público eram o que havia de mais estimulante nos quiosques de jornais. Cosmopolitas, modernos, esteticamente apurados, editorialmente aguerridos, tinham uma voz e deixaram uma marca. Eram de planetas distintos e não podiam ser mais diferentes. Mas foram, cada um à sua medida, uma revolução na imprensa portuguesa. Por isso, para nós fazia todo o sentido que o prefácio do livro sobre O Independente fosse escrito pelo fundador e primeiro diretor do Público.
O Vicente Jorge Silva aceitou, sem hesitar, o desafio que lhe lançámos. Escreveu um prefácio com uma visão muito pessoal sobre a história que contamos, mas resistiu à tentação de ajustes de contas. E escreveu coisas que nos deixaram orgulhosos, como esta:
"Este livro propõe um estimulante exercício de memória, onde muitos se sur- preenderão por reencontrar, evocados com uma minúcia extraordinária, variadíssimos episódios da história inicial d’O Independente. A leitura é, por vezes, tão aliciante como a de um thriller rico em intriga, peripécias e golpes inesperados."
Como não podia deixar de ser, o Vicente - que, tal como Portas, acabou por fazer a transição do jornalismo para a política, mas com menos sucesso - foca-se na figura de Portas e nos inevitáveis paralelismos entre aquilo que este escreveu como ideólogo d'O Independente e o que fez, depois, enquanto político.
"Tendo chegado a vice-primeiro-ministro, é irresistível o confronto entre o que escrevia Portas no Indy e a sua actuação no Governo. Que resta da revolta do contribuinte contra o roubo dos impostos e da luta sem tréguas contra uma Europa predadora da nossa soberania? Que sobrevive do jovem e sanguíneo Portas no caixeiro-viajante da diplomacia económica?"
O Vicente também escreve sobre Paulo Portas e Marcelo Rebelo de Sousa, com a autoridade de conhecer bem Marcelo, com quem conviveu muitos anos no Expresso. Mas essa parte fica para ler no livro.